6 de janeiro de 2013

Os porteños nos adoram

Eu deveria ter feito uma pesquisa minuciosa de tudo o que fiz, principalmente ter lido as anotações da viagem, mas queria que este relato fosse genuíno, autêntico, e que revelasse as melhores lembranças. Escrevi um relato amplo, sinuoso e todo cheio de erros, assim como o inesperado dos vários momentos perdidos nas largas avenidas da arquitetônica Buenos Aires.

Podem apostar que confundi os nomes das organizações, detalhes dos acontecimentos, dos lugares em que estive, das pessoas que entrevistei etc., mas, mesmo assim, acho que vale a pena divulgar um relato tão impreciso e subjetivo porque nada como transmitir a áurea inspiradora dos ares bonaerenses.

Depois de desembarcar no Aeroporto Ezeiza e descobrir que não tinha mais fumaça nenhuma, alívio número 1 - o ar da capital estava "irrespirável" há poucos dias antes de chegarmos, em decorrência das queimadas intencionais da região rural que circunda a cidade. Os porteños sofriam com o denso humo que tomava conta da metrópole. Nem de longe as condições climáticas lembravam o que um dia deu nome ao local, os "buenos aires”.

Logo depois de perceber que do pulmão não sofreria, me impressionei com a autopista que liga Buenos Aires a outra província! Isso na ocasião me pareceu muito caro e sinal de que encontraria muita riqueza pelo caminho. Mas assim que entramos na rodovia, deparei-me com carros de marcas antigas e em péssimo estado de conservação, daqueles que nem os brasileiros pobres usam mais.

Primeira impressão que foi logo suprimida assim que cheguei à Avenida 9 de Julio, lá já era possível ver carros das marcas famosas, em melhor estado de conservação (mas que mesmo assim não era tão próximo da realidade automobilística que o Brasil, e em especial São Paulo, está passando).

- A Avenida 9 de Julio é a maior em largura do mundo, com mais de 10 faixas, informou orgulhoso o taxista, Fabián. No momento pensei em averiguar esta informação no futuro, mas como não o fiz até hoje, digo pelo que vi, larga ela realmente é. Além disso, a amplitude e a beleza arquitetônica das construções às suas margens também impressionam. Logo no primeiro dia já escutamos a música que marcaria a viagem.

Sábado à noite, depois de conhecer o Bruno, um brasileiro que estuda medicina em Buenos Aires, e ir tomar uns tragos no bairro da Recoleta, alguns amigos e eu fomos convidados para uma festa vai-saber-em-que-parte-da-cidade-de-Buenos-Aires (distante aproximados 15 km do centro) com apenas argentinos e argentinas. “Era tudo o que queria”, pensei. “Vou fugir destes lugares turísticos e conhecer a verdadeira Buenos Aires”.

Chegando ao local, era uma festa de jovens de 16 a 25 anos, com muita Cumbia e ritmos latinos. Nesse instante, qualquer receio quanto à recepção dos hermanos foi dissipada (assim como a fumaça das queimadas): os porteños adoram os brasileiros!!! Sem contar que todos tentam falar português, elogiam nossa política, democracia, praias e claro, as belas mulheres. Outro episódio também poderia bem resumir o sentimento que me tomou durante a viagem...

Estava com um grupo grande de argentinos, alguns amigos do Brasil e dois brasileiros que moravam lá quando nos dirigimos a uma pizzaria na Calle Callao (muitas histórias aconteceram nesta rua emblemática cá para este brasileiro, mas isto fica para uma próxima vez), uma discussão viva animava os participantes que pensavam nas possibilidades de ir ou não para um boliche* comemorar o aniversário deste que vos faz este relato – sim, era meu aniversário. (Boliche = balada, no espanhol da Argentina).

Eram umas dez pessoas, com idades variando entre 19 e 23 anos. A mais jovem dos participantes, nos recebeu com um sorriso e nos levou a dar uma volta naquele prédio enorme (ok, não era prédio, nem era tão enorme, mas pelo tanto que andamos, assim me pareceu). Fomos levados a todos os ambientes, no terraço, tínhamos uma linda vista da avenida, cheia de carros e podíamos ver também os cafés e os escritórios dos prédios em frente. Era uma sensação esquisita.

A Argentina estava passando por um processo intenso. São fábricas ocupadas, assembleias reunidas periodicamente apenas na cidade de Buenos Aires, mas os carros novos, bairros elegantes e bem conservados estes estava,m em falta. Mesmo assim, apesar da simpatia com os brasileiros, todos se comportavam como se fossem italianos oriundos de Milão.Apesar dessa balbúrdia política, a vida continuava, como se nada acontecesse. Do alto, víamos os taxis, os escritórios e todos os Havanas.

Dava a impressão que muita gente ali estava vivendo sem que sequer soubesse dessa efervescência subterrânea... Era realmente algo muito estranho... Mas sabiam, estavam apenas vivendo da forma mais rotineira possível. Os dias se seguiam e meu ótimo senso de localização me fez decorar os principais bairros e suas avenidas apenas olhando minuciosamente um mapa do metrô. Dona Vivian, minha companheira de viagem, se sentia completamente à vontade em qualquer parte da cidade que estivesse sabendo que voltaria comigo.Sim, eu era o seu "personal GPS". Por alguma razão inexplicável, tinha a total certeza que não se perderia.

Mas, graças a esse mapa e às viagens pela cidade, fiquei com uma grande dúvida. O que vale mais a pena: um metrô considerado de ótima qualidade, com certificações e apontado como um dos melhores do mundo quanto à limpeza, rapidez e segurança (mas com preços exorbitantes e espremidos mais que atum) ou uma linha que oferece estações que levam a quase todos os pontos da cidade, entretanto suja, com vagões antigos (o de madeira é histórico, portanto não conta, vale a pena a visita) lento, mas que é acessível a todos os bolsos, tanto os dos brasileiros quanto os dos argentinos?

Esse é um tema para longa discussão, a questão é que o transporte público na cidade de São Paulo (atualização para 2013: essa comparação deveria ter sido feita com o Rio, de longe o pior metrô do Brasil) deixa muito a desejar mas possuímos um dos melhores sistemas de metrô do mundo. O preço alto é que não colabora. Pagar R$ 2,40 (que tempo bom, que não volta nunca mais!!) para qualquer trabalhador comum é inviável. Buenos Aires possui 68 estações, numa área três vezes menor que a ocupada pela capital paulista e possui tarifa de ônibus também considerada barata por qualquer porteño.

Viajar a outros países nos faz valorizar a nossa cidade e racionalizar se nossos problemas são realmente os piores. A encruzilhada é: metrô mais caro, com poucas opções de estações mas excelente qualidade ou metrô mais barato, com muitas opções de estações e qualidade duvidosa? Eu cá tenho minhas dúvidas...

Nós, brasileiros (e não apenas nós), adoramos ir para Buenos Aires, cidade cuja urbanização nos parece tão mais satisfatória, com suas avenidas largas, espaços públicos, tantas livrarias quanto o Brasil inteiro, mais seus cafés, onde comemos chorizo e bebemos Malbec e pensamos em Jorge Luis Borges, para não falar de Cortázar, Saer, Arlt e tantos mais. Todos os dias às 17hs parava tudo e entrava em um Havana para me deliciar com seus doces, chocolates e claro, o café. Sou apaixonado por cafés bem elaborados.

No entanto, como ficamos sempre tempo suficiente para as compras e para essa contemplação idílica, não ficamos atentos aos problemas deles. Tão comuns e inóspitos quanto os nossos. Admiramos a baixa taxa de analfabetismo e a coragem dos panelaços, assim como o cinema recente, mas nos esquecemos da inflação e da infraestrutura inadequada.

Não cedemos nada em nossa preferência (e não só nossa) por Pelé, mas admiramos o futebol de Maradona e seus herdeiros. Esse é um assunto que não tem ponto comum. E agora com Messi? E eles, argentinos, também gostam muito dos brasileiros, da música de Tom Jobim e Chico Buarque e muitos outros, do futebol de Pelé e Rivelino, dos restaurantes de São Paulo e da paisagem do Rio, para não falar das praias catarinenses. Ultimamente invejam até mesmo nossa suposta estabilidade política.

Falando em estabilidade política, lembrei-me de um amigo do começo de carreira, bem do começo, o saudoso Daniel Piza. No parágrafo seguinte, ele expressa bem a dicotonomia Brasil versus Argentina.

“Ambos os povos são passionais, cada um a seu estilo. O argentino é exigente demais, briguento, senão neurótico, mas o faz para defender um ideal político e uma vida mais justa; o brasileiro prefere sempre o consenso, por mais fracos os critérios em que se dá. Os fantasmas argentinos, como Perón, pesam; os brasileiros, como Getúlio, finge-se que não. O argentino se acha europeu; o brasileiro lamenta não ser. Se num país o complexo de superioridade descamba em autocrítica melancólica, no outro o sentimento de inferioridade está sempre pronto à auto-exaltação. De qualquer forma, a questão é muito parecida, porque envolve escapar de dilemas culturalmente impregnados ao longo da história, abandonar mitos como o da esperteza mestiça e enfrentar os problemas de modo mais pragmático, menos personalista. Aí não há Mercosul que dê jeito. Sem trabalho e clareza não existe solução”.

É por isso que não se deve ter medo de conhecer a força e coragem argentina e sempre que possível, refletir sobre a sociedade brasileira. Passar alguns dias na capital portenha e viver a aventura bonaerense como se estivesse na década de 30 é interessante, mas é importante refletir sobre audácia dos argentinos por constantemente questionarem seus políticos e seus problemas protestando, de fato. Mas, como também queremos viver de Tango, toda trip tem sua trilha sonora. Não há sensação melhor no retorno que cantar a todos, em alto e bom tom: lo que pasó, pasó, entre tu y yo!

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Relato escrito em abril de 2008, pouco depois de uma viagem de uma semana a Buenos Aires.
Obs: não sei porque decidi postar apenas hoje, mais de quatro anos após a viagem...

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